sábado, 20 de julho de 2013

1780 - DOS POVOS E NAÇÕES INDÍGENAS

-Das etnias conhecidas na região
A população indígena, a contar de 1780, crescera de maneira tal que, em 1835, já se dizia de infestações nas morrarias e furnas das Serras de Agudos e de Botucatu, nos Vales do Pardo, Peixe, Feio/Aguapeí e do Batalha, além do Paranapanema paulista. 
Deste modo, nas primeiras décadas do século XIX todo o interior paulista, entre os rios Tietê e Paranapanema, adiante da serra à barranca do Rio Paraná, transformara-se num vazio desconhecido da civilização, região inóspita e insalubre, habitado por animais selváticos, enquanto os índios movimentavam-se dentro desse espaço geográfico, escolhendo áreas e por elas guerreando com os rivais, inclusive no Vale do Pardo santacruzense, aonde contadas algumas etnias.

1. Caiuá 
O Caiuá, subgrupo identificado erroneamente por 'Caiuá-Guarani', vivia nos espigões e beiras de pequenos rios, ao longo do divisor Pardo/Turvo. 'Caa-wa' tem significado de 'o feio do mato', ou espinho, no sentido de imprestável.
Há consenso que bandos distintos Caiuá e Guarani, propriamente dito, tenham vindo do sul de Mato Grosso, Paraná, leste do Paraguai e nordeste da Argentina, onde desapossados de seus termos procuraram segurança em terras do Planalto Ocidental Paulista, unindo-se aos destroços tribais no Pardo, após 1835, depois de infausta querença pelos lados de Itapetininga e Itapeva.

2. Xavante
O Xavante ou Chavante tornou-se conhecido como 'índio do cerrado', por significado vocabular indígena 'šhavante', embora inexista uniformidade gráfica senão o aportuguesamento fonêmico, admitindo-se 'šhavan' similar a 'savana', sinônimo de cerrado, então designação não indígena.
Considerados Xavante todos os índios à banda Ocidental do interior paulista, não há unanimidade quanto a designação e origem, posto tais populações confundidas com os 'Akuén-Xavánte', da família Jê, do Brasil Central. Segundo o estudioso Egon Schaden, os denominados 'Xavante Paulista' constituíam em verdade duas tribos diversas, as Otí e Opaié (1954: 397).
Justifica-se a denominação errada, a Carta Régia de 05 de setembro de 1811, que autorizava a Guerra aos Xavante, entre outras nações específica, pelos danos que supostamente causavam ao branco (Xavante: Panorama...), que ainda se fez prevalecer quando das penetrações das frentes pioneiras, em 1850/1851. 
Daí a assertiva de Hercule Florence: "chamam-se Xavante a todos os índios que aparecem na parte ocidental da Província de São Paulo e para la do Tietê." (1876: 375 R-1), e aos brancos, então propositadamente, permitiram acometimentos preventivos aos Xavante, de origem ou não.

2.1. Oti-Xavante
O dito Oti-Xavante, escorraçados dos lados de Bofete, por volta de 1840 assentou-se nos cerrados entre em alguns afluentes do Rio Turvo às duas margens. 
Não se sabe quantos Oti-Xavante habitavam o sertão quando da chegada de José Theodoro e seu grupo no início de 1850, mas vinte anos depois, estavam reduzidos a menos de quinhentos indivíduos, reunidos em umas poucas aldeias de trinta a quarenta pessoas cada (Tidei Lima, 1978: 135). 
Já além dos anos de 1870, segundo Curt Nimuendaju, pelos lados de Conceição de Monte Alegre, em atual município de Paraguaçu Paulista, promoveu-se um massacre aos Oti "barbaramente assassinados sem distinção de idade ou de sexo (...). É difícil saber-se o número de Otis chacinados (...). Afirma José de Paiva, que tomou parte no feito, que os cadáveres estavam empilhados em grande quantidade." (Tidei Lima, 1978: 135 e 136).

2.2. Ofaiê-Xavante
Segundo o mapa etnográfico de Hermann von Ihering e os dados levantados por Curt Nimuendaju, depois por Darcy Ribeiro, os Ofaiê são classificados distintos dos Akuen e dos Oti (Tidei Lima, 1978: 41-A).
Antigos sertanistas citavam presenças de índios Ofaiê-Xavante na região de Jaguaretê e Laranja Doce (Giovannetti, 1943: 58), compreendendo-se que o Ofaiê seja oriundo do sul mato-grossense, de toda bacia inferior do Pardo e do sul do Mato Grosso, que entraram em terras bandeirantes por volta de 1910, perseguidos pelos fazendeiros instalados.
Os Ofaiê-Xavante foram violentos e opositores ao avanço dos brancos, adiante de Conceição de Monte Alegre, conforme "estão a testemunhar a rapida extinção da tribo e as histórias das chacinas de que foram vítimas" (Darcy Ribeiro – 1951, apud Tidei Lima, 1978: 41-A e 42). Darcy Ribeiro conviveu por semanas com os últimos sobreviventes Ofaiê, em 1948, ocupante das margens do Santo Anastácio (Tidei Lima, 1978: 41-A).
Descendentes dos primeiros desbravadores regionais contam que as famílias Nantes, Botelho e Medeiros, entre outras, valeram-se dos préstimos de bugreiros como João Hipólito, João da Silva Oliveira, José Theodoro de Souza Junior e o Coronel Francisco Sanches de Figueiredo, para matanças de índios, e fazê-los refugiarem-se para além dos rios Paranapanema e Paraná, deixando livres as terras pretendidas. Em empreitadas do gênero foram exterminadas tribos inteiras de 'Xavante Paulista', Oiti e Ofaiê, independentes se pacíficas ou não.

3. Caingangue
O Caingangue ou 'Caa-Caing', também grafado Kaingang, com significado 'gente do mato' (designativo xavante) e habitava matas fechadas às beiras dos rios maiores, na região do médio Paranapanema e o Pardo. Foi cognominado 'Coroado' pelo branco, em causa do corte de cabelo. Seria 'primo' do Xavante, com certa semelhança de fala, por isso do grupo 'Macro-Jê' para os especialistas.
De origem controvertida, os grupos que se apresentaram no planalto ocidental paulista seriam oriundos das margens do rio Uruguai (Jorge Junior, 12/03/1969), com presença não anterior ao ano de 1800, extremante resistentes aos brancos e belicosos com outras etnias. 
Nos últimos anos do século XIX já não havia índios selvagens no Planalto Ocidental Paulista senão o Caingangue, e contra eles os brancos investiram em disputa de vasto território de 35 mil quilômetros quadrados, sendo 15 mil do Vale do Peixe e 12 do Feio/Aguapeí ainda ocupado por tribos daquela nação. Os outros oito mil quilômetros quadrados, no Vale do Batalha e Baixo Tietê após a Serra de Agudos, nas denominadas Terras de Lençóis até o Avanhandava e Itapura, também eram territórios Caingangue em disputa com os brancos. 
Entre 1907/1912 os Caingangue já não se apresentavam mais como unidade tribal, posto fracionado em grupos nômades independentes, ainda num imenso espaço territorial. Aparentemente a fragmentação foi decorrente de estratégia dos brancos em isolar grupos e assim enfraquecê-los, com resultado desastroso, pois que os Caingangues tornaram-se muito mais perigosos, agindo cada grupo isoladamente, com extrema mobilidade e grande capacidade de atacar de surpresa em diversas frentes contra os inimigos regularmente ordenados. 
De 1908 a 1911 as frentes de ocupação não mais conseguiam progredir dentro do território Caingangue, os trilhos da estrada de ferro não avançavam, os ataques indígenas se tornaram cada vez mais frequentes e eficientes.
Diante as dificuldades os empreendedores optaram negociar, também em atenção às insistentes pressões de grupos intelectuais, políticos e militares, além de organismos internacionais, a culminar com a criação do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), sob direção do então Coronel Candido Rondon, com a missão de evitar mais chacinas e apaziguar os Caingangue (Castelo Branco, 2004: 16/07), e ainda assim dizimados outros quinhentos índios da etnia (Cruz, 2006: v. 6, n. 1/2/3, p. 39-45, texto por referência ao trabalho de Silvia Helena Simões Borelli, 1984: 70).
Para maior eficácia de ação o SPI buscou grupos Caingangue pacificados da bacia do Tibagi e línguas -linguarás ou intérpretes, para ajudar nos contatos em 1912, destacada a célebre índia Vanuire, a maior colaboradora na pacificação dos Caingangues paulistas, dirigindo-se diretamente aos grupos indígenas espalhados, ou, da copa de grandes árvores gritando-lhes pedidos de paz (Vanuire: Lenda da Índia, Museu Índia Vanuire, Tupã - SP). 
Logo após os primeiros contatos (1912/1913), metade dos Caingangue no Estado de São Paulo morreu de epidemia de gripal (KAINGANG: Enciclopédia Povos Indígenas do Brasil, Histórico do Contato, 2001: 7, ref. Horta Barbozza), sobrevivendo "do contingente estimado em 4 mil (...) apenas 700" (Castelo Branco, 2004: 16/07). 
Os sobreviventes foram então reduzidos em Icatu, hoje região pertencente ao município de Braúna, próximo de Araçatuba, e depois o Índia Vanuíre [1917] em Arco Íris, vizinhanças de Tupã - SP. Os índios aldeados em Índia Vanuíre não foram apenas os sobreviventes de grupos paulistas, e nem puramente Caingangue (Cruz, 2006: v. 6, n. 1/2/3, p. 39-45), agora atacados por outros inimigos não menos impiedosos: doenças, como gripe espanhola e sarampo, contra as quais não tinham imunidade. "Em 1916 estavam reduzidos a 173" (Castelo Branco, 2004: 16/07). 
Um absurdo: "Os índios Kaingang paulistas chegam ao século XXI reduzidos a menos de duas centenas de indivíduos confinados em espaços bem restritos" (Cruz, 2006: v. 6, n. 1/2/3, p. 39-45).
A estratégia que garantiu a eficácia da conquista final do território Caingangue, sem dúvidas foi a de treinar e transformar grupos aldeados em intermediários a serviço dos conquistadores, e dos Caingangues, em torno de 4% sobreviveram a carnificina. 

4. Magotes ou os destroços tribais
Desde a quebra da resistência Caiuá (1850/1858) com extermínio quase total, depois a dos Xavante (1870/1880) também com supressão, restos tribais transformados em grupos vagantes, incorporando pelos caminhos outros bandos afugentados, do Paraná e Mato Grosso do Sul, para formar forte resistência adiante do Capivara e em direção, ao Vale do Santo Anastácio, gradativamente à medida da progressão sertaneja.
Tais contados foram denominados Magotes – índios de diferentes etnias ou sem elas, como resíduos populacionais unidos e propositados em conter o avanço dos colonizadores, adotando regras de ataques preventivos com incursões às regiões do Pari-Veado ou mesmo São José do Rio Novo – Campos Novos Paulista. 
Quando os brancos chegaram para as ocupações das terras paulistas, entre o Paraná e o Paranapanema, lá encontraram "os indios pretos denominados Chavantes, os (Ouatós), que moram nos campos, os Lainos, Camacosos, Quiniquinau, Coroados, Charraos, e Botocudos, os quaes se escondem para que a civilização não lhes penetre em seus territórios." (Domingos José Nogueira Jaguaribe Filho [Dr. Jaguaribe Filho], 'O Sul Paulista' – Cartas II, 1885, apud Correio Paulistano Correio Paulistano, 13/12/1885: 1). 
Sobreviventes e até os Caingangues uniram-se aos destroços tribais no Santo Anastácio, como a última resistência indígena à supremacia branca. 

5. Dos autodenominados Tupi
Tidos por especialistas como subgrupo Guarani os Nhandéva, hoje aldeados em Araribá (referência 2014), auto intitulam-se descendentes Tupi, já rejeitando as identificações Tupi-guarani ou Caiuá-guarani.
Concordam Denise Monteiro de Castro e Marcos Garcia Neira, em 'Cultura Corporal e educação escolar indígena – um estudo de caso': "... e os Nhandéva, que se autodenominam 'Tupi-guarani' ou simplesmente Tupi'-." (Revista HISTEDBR On-line 2009: 236), na verdade o vocábulo tem o significado de "-'todos nós' (todos nós índios)" (Rodrigues de Almeida, 2013: 6).
Para Nimuendaju não há traços Tupi entre os Guarani primitivos no território paulista. Outrossim, exceto aos reconhecidamente miscigenados, é errada a classificação Tupi-guarani, ou alguma língua denominada tal, consoante em algumas literaturas, o que evidentemente não impede algum índio bilíngue.
No entanto os Tupi passaram por tantos aldeamentos que não se pode mais, desde o final do século XIX, determinar algum representante seu de pura origem no território paulista, posto fruto de miscigenações de brancos, negros, pardos, além de outras etnias indígenas, à exceção Caingangue. Os índios, vistos no interior paulista no último quartel do século XIX, quase não possuíam pureza ou não representavam etnia confiável.
Desde os tempos da Fazenda Jesuítica Botucatu os padres incentivavam as miscigenações entre brancos, negros e índios, para a pretensa formação do homem brasileiro ideal, como se pensava na época, com a inteligência do branco, a robustez de negro e indolência do índio. 
Depois, no século XIX viriam os aldeamentos instituídos oficialmente na Província de São Paulo, e quase de imediato surgiram os primeiros núcleos de proteção ao índio, inicialmente em regiões litorâneas e próximos à capital, depois, a pedido de João da Silva Machado – Barão de Antonina, também no sudoeste paulista, sendo o primeiro deles na localidade de São João Batista do Rio Verde [futura Itaporanga], fundado com o mesmo nome em 1845, para o qual designado diretor o frei capuchinho italiano, Pacífico de Montefalco, auxiliado por outros dois freis italianos, Galdêncio [Gaudêncio] de Gênova e Ponciano de Montaldo.
Outros aldeamentos conhecidos, São Sebastião do Tijuco Preto, nas proximidades da atual Piraju, em 1854; São Pedro de Alcântara, na localidade de Jataizinho - PR, em 1855; Aldeamento Pirapó, também conhecido por Nossa Senhora do Loreto, ainda em 1855; o de São Jerônimo da Serra em lugar de igual nome, no ano de 1859, situado às margens do rio Tigre um afluente do Tibagi; e o de Santo Inácio, em 1862, e também, no mesmo ano, o aldeamento Itacorá, em Salto Grande.
Os Tupi primitivos eram caçadores, inclusive de inimigos tribais, para os sacrifícios ritualísticos onde a ocorrência antropofágica. Não opositores ao entradismo branco e até colaboracionistas, viram suas mulheres gerando mamalucos - das uniões com brancos, e logo privados da essência canibalesca de sua cultura. O canibalismo foi combatido à exaustão pelo clero e reinóis, e os Tupi tornaram-se caçadores de índios para a escravização requerida pelos colonizadores.
Para Schaden (1954: 391) "Com toda razão aponta Charles Wagley (1951: 117) o fato que a eliminação da guerra e do sacrifício dos prisioneiros, através da proibição rigorosa pelos portugueses, removia uma das motivações centrais da cultura Tupi." 
Recentemente parte do grupo indígena do aldeamento Araribá, em Avaí - SP, antes conhecido como Caiuá-guarani, depois Nhandeva-guarani, agora autodenominam-se Tupi, deslocou-se de Araribá rumo a Barão de Antonina e Itaporanga para retomarem as terras entendidas suas, desde os tempos do aldeamento, e da qual entendiam expulsos pelos fazendeiros, na primeira década do século XX.
Reconheceu-lhe os direitos a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 231, para "(...) sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo a União demarca-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens." 
Parte dos Nhandeva permaneceu em Araribá, confinada entre os Terena, conforme reclamações, e requer terras na antiga localidade de São Domingos, consideradas devolutas e de seus antepassados que lá habitaram.
Os autores foram procurados por representantes Nhandeva, de Araribá, para obtenções de documentos que possam atestar-lhes passagens pelas regiões de Santa Cruz do Rio Pardo e Domélia - Distrito de Agudos, inclusa a extinguida São Domingos.
Os Nhandeva fundamentam-se numa lenda contada pela matriarca, que em 1808 os antepassados deixaram Barão de Antonia e Itaporanga, rumo ao Batalha na região de Bauru. Parte chegou e parte teria ficado pelos caminhos, em São Domingos. Dos que chegaram, logo convencidos por Nimuendaju, aldearam-se em Araribá, criado em 1910 e ativo a partir de 1912.
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