sábado, 20 de julho de 2013

APRESENTAÇÃO

Apresentação - segunda edição

Desenho eletrônico sobre foto do Rio Pardo
O bandeirante José Theodoro de Souza, mineiro, em meado do século XIX comandou grupo de bugreiros na mais sanguinária invasão contra tribos indígenas no último rincão inculto do sertão paulista, entre os rios Tietê e Paranapanema, a partir da descida da Serra Botucatu ao rio Paraná.
'Bugreiros' eram os matadores de índios.
O bando, verdadeiro exército, foi dividido em frentes regionais, atacando quase ao mesmo tempo as aldeias indígenas previamente dimensionadas dentro do território focado.
Um desses grupos foi o encarregado em 'civilizar' o Turvo e Pardo santa-cruzenses. Os bugreiros chefiados por Manoel Francisco Soares chegaram à região em 1850, avançando sobre os indígenas para tomar-lhes as terras, tornar cativos os apanhados, recuar os escapadores e eliminar os recalcitrantes.
A história primitiva da localidade neste aspecto, com efeito, perdeu-se, e a crônica informada para Santa Cruz do Rio Pardo, em 1886/1887, ignorava o tempo do advento de Manoel Francisco Soares, porém tinha-o na lembrança como o pioneiro que, 'acercado de destemidos companheiros, muito combatera e levara de vencida os indígenas ferozes que infestavam a região'.
—"Terra empapada de sangue é sempre terra mais fértil" - antigo aforismo popular que bem expressa pensamento da época.
Soares, exitoso, fez erguer "uma cruz de madeira, que orgulhosamente se ostentava na beira do terreiro de sua habitação" (Almanach da Provincia de São Paulo, 1887: 541), e, então, visualizou uma freguesia em sua propriedade, ou, disto convencido, para doar cem alqueires de terras ao Patrimônio da Santa Cruz para tal propósito.
À época, igualmente lembrada, a presença do padre João Domingos Figueira, como aquele que concorrera para execução do plano adotado pelo sertanejo na formação do povoado, se não o convencedor, fazendo levantar um templo religioso e nele entronar a imagem de São Sebastião, ofertada pelo mesmo Soares; o lugarejo tornou-se Capela Santa Cruz, em 1862, com dezoito ou vinte moradas.
A identificação de um lugar como 'Capela', significava o reconhecimento da Igreja e do Estado quanto a existência legal de determinada povoação.
A publicação de 1887, de possível inspiração do coronel e deputado provincial paulista, Emygdio José da Piedade, tinha por objeto a história local com a chegada do fazendeiro e capitalista Joaquim Manoel de Andrade, o principal agente transformador do capenga arraial em próspera comunidade: "Os ranchos desde então foram esquecidos e, podemos affirmar, Santa Cruz do Rio Pardo nasceu em 1872, sendo desde então rapido o seu progresso e admiravel os melhoramentos que tem recebido." (Almanach da Provincia de São Paulo, 1887: 542).
Depreendido da narrativa de 1887, a Santa Cruz de 1872 deixava a condição de 'Capela' para transformar-se em 'Freguesia', sinônimo de progresso, sob os auspícios de Joaquim Manoel de Andrade, o mais rico e influente nome no lugar, inclusive o responsável pela elevação de Santa Cruz à condição de Vila e, consequentemente Município, em 1876.
Após o golpe militar de 1889 que derrubou o império e instituiu a república, o Brasil foi declarado estado laico, em 1890, e já no ano seguinte a Câmara Municipal e a Igreja travaram disputa pelos terrenos urbanos santa-cruzenses, nos tempos do reverendo padre Bartholomeu Comenale, vigário forense, vereador, presidente da câmara e, depois, intendente.
Não localizado nenhum documento de concessão de bens do Manoel Francisco Soares à Igreja, e, em 1891, a Igreja precisou recorrer a testemunhos da época que atestassem a alienação patrimonial do Soares, inclusive um genro deste, José dos Santos Coutinho, também doador de terras, para o Patrimônio de Santo Antonio, que contribuíram na formação da urbe santa-cruzense.
A segunda edição do 'Santa Cruz do Rio Pardo - memórias, documentos e referências' amplia o número de documentos que atestam a historicidade da região, revela onde o início da grande posse de José Theodoro de Souza, na barra do 'Correguinho da Porteira', no Turvo, e traz à luz registros de posses articuladas no Turvo, Pardo e Paranapanema ditos santa-cruzenses.
Não era incomum a posse articulada das primeiras 'fazendas', quando alguém repassava as terras para os 'donos verdadeiros', ou entre si permutavam recibos numa simulação de apossamento anterior para 'esquentamento de documentos', daí as retroatividades de datas em registros anteriores ao mínimo permitido pela legislação, Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850 e regularização pelo Decreto nº 1318, de 30 de janeiro de 1854. São alguns dos sistemas de posses articuladas:
1) O verdadeiro dono, ou a quem o direito de determinada fração de terra, a tem, primeiro, em nome de algum preposto, escolhido ou indicado, que a registra e relaciona os divisantes, depois entre si simulam compras, vendas ou permutas, por recibos, retroagindo datas, para comprovar tempo de posse.
2) O posseiro, indicado ou escolhido, repassa título com data retroativa de determinada propriedade, por venda ou permuta, a um terceiro que promove o registro paroquial citando a origem e divisantes, e depois faz alienação ao dono verdadeiro ou, se autorizado, promover venda ou permuta do imóvel, fracionado ou não.
3) Algum posseiro primitivo de uma grande porção de terras as faz registrar em seu nome e permite outros registrantes de partes menores inseridas no grande todo, qual citando os seus divisantes, e rapidamente fracionam e alienam aquelas partes aos interessados.
4) O posseiro e/ou adquirente de terras de uma única propriedade divide-a em partes, registrando-as uma a uma, com diferentes divisantes. Neste caso as propriedades podem ter identificação de local comum ou não, mas, fisicamente, no mesmo lugar.
5) O posseiro ou adquirente registra propriedades diversas em diferentes e distantes lugares, para os distintos verdadeiros donos. A conclusão desta tarefa, como edição reescrita, corrigida e ampliada revela o ineditismo e singularidade para Santa Cruz do Rio Pardo, destacados os seus líderes e influentes, naquilo que possível conhecer, até esta editação, aberta a discussões sem pretensões de 'história fechada', pois muito ainda se tem a pesquisar e informar.
Santa Cruz do Rio Pardo, 2019.
Os autores Celso e Junko Sato Prado. 
-o-
Apresentação da 1ª edição
A história informada para Santa Cruz do Rio Pardo, em 1887, ignorava o tempo da chegada de Manoel Francisco Soares, porém tinha-o na lembrança como o pioneiro que, acercado de destemidos companheiros, muito combatera os indígenas ferozes que infestavam a região, e, na sede da fazenda onde residia, fincou a "cruz de madeira, que orgulhosamente se ostentava na beira do terreiro de sua habitação" (Almanach da Provincia de São Paulo, 1887: 541).
Soares mandara, ainda, construir pequeno espaço religioso, coberto "com taquáras rachadas e sobre-postas umas ás outras (...). E desde então ficou a Santa Cruz como sendo a padroeira da povoação" (Almanach da Provincia de São Paulo, 1887: 542). Soares visualizou, então, a fundação de uma freguesia em suas terras.
À época igualmente lembrada a presença do Reverendo Padre João Domingos Figueira, como aquele que concorrera para execução do plano adotado pelo sertanejo na formação do povoado, conseguindo dele a doação de terrenos para o Patrimônio da Santa Cruz e, de imediato, fazendo levantar um templo religioso e nele entronar a imagem de São Sebastião, doada pelo Soares, e "ahi Manoel Francisco, sua numerosa familia, e todos os já então habitantes deste sertão e dos terrenos do patrimônio, se reuniam (...)" (Almanach da Provincia de São Paulo', 1887: 542). O lugarejo tornou-se Capela, em 1862, como povoação oficialmente reconhecida.
O histórico publicado em 1887, de provável autoria do Coronel e Deputado Provincial de São Paulo, Emygdio José da Piedade, tinha por objeto a história local a partir de 1870, com a chegada do fazendeiro e capitalista Joaquim Manoel de Andrade, o principal agente transformador do capenga lugarejo em próspera comunidade: "Os ranchos desde então foram esquecidos e, podemos affirmar, Santa Cruz do Rio Pardo nasceu em 1872, sendo desde então rapido o seu progresso e admiravel os melhoramentos que tem recebido." (Almanach da Provincia de São Paulo, 1887: 542).
Segundo aquela narrativa, a Santa Cruz de 1872 deixava a condição de Capela para transformar-se em Freguesia, sinônimo de progresso, sob os auspícios de Joaquim Manoel de Andrade, o mais rico e influente nome no lugar, inclusive o responsável pela elevação santa-cruzense à condição de vila e, consequentemente município, em 1876.
Com o advento republicano de 1889 e a declarada laicidade do estado em 1891, a Câmara e a Igreja travaram disputa pelos terrenos urbanos santacruzenses, e na pugna desapareceram muitos dos antigos documentos camarários e reescritos os eclesiais, nos tempos do Reverendo Padre Bartholomeu Comenale, mandatário local, Vigário Forense, Vereador – Presidente da Câmara, e depois Intendente.
A história primitiva da localidade, com efeito, perdeu-se, e a edição do Almanach de 1887 tornou-se o único apontamento, conhecido e disponível quanto às origens de Santa Cruz do Rio Pardo, com partes espelhadas, quinze anos depois, pelo Correio do Sertão (1902), sem a citação da fonte, daí os pesquisadores e interessados locais recorrerem-se ao citado hebdomadário como referência historiográfica.
A origem santa-cruzense oficializou-se, portanto, àquela maneira narrada pelo Almanach, edição de 1887, copiada pelo Correio do Sertão (1902/1903), e apenas no ano de 2005, com as publicações e atualizações digitais de 'Razias – Incursões predatórias em territórios indígenas do Vale Paranapanema' e 'Historiografia para Santa Cruz do Rio Pardo', ambas assinadas por SatoPrado, concluiu-se que a formação do lugar ou da fixação branca retroagia ao ano de 1851, comprovada por centenas de expedientes cartoriais, eclesiásticos e particulares, apanhados pelos autores.
As pesquisas, com apresentações de documentos autênticos e sem exclusões ou inclusões convenientes de acontecimentos, revelaram o vindouro território santa-cruzense palco de acontecimentos até anteriores a 1851, aí todos de itinerância, desde o atalho jesuítico entre o Paranapanema e a Serra de Botucatu, entre os anos 1608/1628, a trilheira bandeirante de 1721 e o caminho militar de 1771, calcados num quase mesmo trajeto, a despassar o Turvo aonde o baixio do rio, nas proximidades da barra do Alambari.
Como chão de passagem pode-se afirmar, com segurança documental, que em partes para o então futuro 'antigo' município de Santa Cruz, à beira direita do Paranapanema – entre as atuais municipalidades de Timburi e Ourinhos – passava a senda pré-cabraliana Peabiru, largamente utilizada por aventureiros, contrabandistas, faiscadores, bandeirantes, entradistas e religiosos.
Outrossim, igualmente 'resgatados' alguns dos ofícios de governo garantidores das presenças de arranchados nas sesmarias outorgadas entre o Pardo, às duas margens, o Turvo à esquerda e o Paranapanema aos fundos, a partir de 1759 até o abandono dos empreendimentos, por volta de 1780, para enfim a chegada do bandeirismo de José Theodoro de Souza, à frente de bugreiros, para as transformações decorrentes das ocupações predatórias em territórios indígenas.
A conclusão desta tarefa, como edição reescrita, corrigida e ampliada de 'Historiografia' e 'Razias', revela o ineditismo e singularidade historiográfica santacruzense, destacados seus líderes e influentes, registrados biograficamente naquilo que podido conhecer, até esta editação, aberta a discussões sem pretensões de 'história fechada', pois muito ainda se tem a pesquisar e informar.
Santa Cruz do Rio Pardo, 2014. 
Os autores Celso e Junko Sato Prado
-o-
Contato: pradocel@gmail.com