sábado, 20 de julho de 2013

1608 - PREALEGADOS HISTÓRICOS

Um tempo antes na história do Sertão Paranapanema - a estrada Peabiru
Genericamente o vocábulo Peabyru [Peabiru] seria o designativo de antigas trilhas indígenas - feixes de caminhos, por terra e rios, quase sempre unificados, com lugar de partida para determinado destino.
São diversos os peabirus no interior brasileiro, pré-cabralianos, um deles, aproximadamente do ano 1350, nos tempos do Império [andino] Tihunaco, se iniciava no Atlântico, em São Vicente no litoral paulista, subia a serra para chegar ao Planalto Piratininga e seguir adiante, passando pelos atuais municípios de São Paulo e Sorocaba, até o pé da serra em Botucatu, onde a obliquar rumo ao Paranapanema e seguir abaixo, margem paulista, até a região de Ourinhos onde possível transpô-lo para o lado paranaense, e, por aí a margeá-lo rumo ao rio Paraná, e, por este como referência, à barra do Iguaçu, para do outro lado atravessar o Paraguai e chegar ao Andes [peruviano] e, daí, às costas do Pacífico.
Uma senda de oito palmos de largura numa extensão praticamente de duzentas léguas apenas em chão brasileiro.

1. Antigos caminhos religiosos e bandeirantes
Informes historiográficos apontam que o entradista Antonio Bicudo, no ano de 1620, deixando o caminho Peabiru subiu a serra do Botucatu e atingiu as cabeceiras do rio Pardo, para reconhecimento territorial e preação indígena, com as primeiras descrições dos seus campos e matas entre os rios Guareí, Paranapanema, Tietê, morros da serra - zona sudoeste e as nascentes do citado Pardo. Tais indicativos entraram nas cartas geográficas como referências para as entradas e bandeiras pelos sertões (Bicudo, 2009).
O monsenhor Aluisio Almeida, estudioso jesuíta, a seu modo explica o curso deslocado da estrada pré-cabraliana Peabiru, que "subiu a serra [Botucatu], ganhou as cabeceiras do Pardo (Pardinho) antigo Espírito Santo do rio Pardo e desceu aquele rio até as alturas de Santa Cruz do rio Pardo, donde passou para o afluente Turvo e saiu nos Campos Novos do Paranapanema (nome mais novo)" - (1960: 41), sem prejuízo ao trecho prosseguinte até o Salto das Canoas, a partir de onde navegável o Paranapanema em direção às Reduções Jesuíticas - 1608/1628 e rio Paraná.
De uma ou outra maneira, pela Serra Botucatu, antiga trilheira em território que viria ser Santa Cruz do Rio Pardo serviu de passagens aos padres espanhóis e demandadores dos sertões, desde a serra ao Salto das Canoas ou Quebra Canoas, também conhecido por Paranan-Itu, no Paranapanema, em atual município de Salto Grande. Cartografia oficial de caminhos paulistas, séculos XVII e XVIII, confirma o uso do Paranapanema desde sua barra ao Salto das Canoas, numa viagem com duração média de vinte dias (AESP: BDPI: Cart325602).
No referido mapa a anotação sobre Sorocaba - SP, "Essa Villa foi feita cidade por El Rey Felipe 3º para dar-lhe o nome de S. Felipe no tempo de Francisco de Souza Conde do Pardo em 1611."
Conde do Prado ou do Pardo - ambas as grafias mantidas, título nobiliárquico português concedido por D. João III a D. Pedro de Sousa (1468-1563), mantido nos tempos filipinos pelo filho D. Francisco de Sousa, escolhido pelo rei espanhol D. Felipe II - I de Portugal (1580/1598) para ser o Governador-geral do Brasil (1592-1602), depois, por D. Felipe III da Espanha e II de Portugal (1598-1621) para novo governo além-mar, de 1608 a 1611, sendo-lhe prometido o título de 'Marquês das Minas', todavia morreu em 1611, sem o agraciamento prometido.
Em 1719 instalou-se na Serra Botucatu uma fazenda jesuítica conhecida por Boa Vista, para os propósitos inacianos além do comércio com os passantes, aventureiros e bandeirantes, oferecendo-lhes os padres pouso e lugar de ajustes.
Em 1721 o bandeirante Bartholomeu Paes de Abreu, primo do jesuíta reitor padre tenente Estanislau de Campos Bicudo, requereu à Câmara Municipal de São Paulo direitos em explorar uma estrada, do centro da então capitania paulista às minas de Cuiabá, calcada no leito da antiga Peabiru e da trilha jesuítica/bandeirante, ou seja, "a partir da 'ultima povoaçam', da última vila e, também, a partir do morro do Hibiticatú" (Apud, Figueiroa, 2009: Revista 4).
Sorocaba, à época, era a derradeira vila desde 03/03/1661 - talvez meio século antes pelo citado documento 'BDPI: Cart325602', e a última povoação seria a sede da fazenda jesuítica Boa Vista, núcleo habitacional junto ao ribeirão de Santo Inácio, passagem rumo a Paranan-Itu aonde "um rudimentar porto para as canoas que iam e vinham" para dali se chegar, segundo Paes de Abreu, "ao rio Paraná onde instalou três roças de milho, feijão, legumes e deixou 250 bois em uma delas." (Apud Figueiroa, 2009: Rev. nº 5).
No aguardo da autorização, Paes de Abreu iniciou abertura de eito terrestre desde Paranan-Itu até defronte o despejo do Pardo sul-mato-grossense no rio Paraná (Giovannetti, Álbum Histórico do Município de Quatá, 1953: 1-2). Indeferido o pedido, Paes de Abreu, desgostoso e com problemas judiciais, abandonou o projeto.
Anos depois, em 1759, a expulsão dos jesuítas do território brasileiro, decretou o fim dos seus empreendimentos também em Botucatu, favorecendo a infestação indígena nas encostas e morrarias da serra, com prejuízos às iniciativas sesmariais.

2. A senda militar
Por Ato de 06 de janeiro de 1765, o rei português, D. José I, nomeou Governador da Capitania de São Paulo, o capitão-general D. Luís Antonio de Souza Botelho e Mourão, o 4º Morgado de Mateus, encarregado em restaurar a capitania paulista, abrir ou refazer estradas, fundar cidades e povoar os sertões, arranjando guarnecer os rios Tietê, Paranapanema, Iguatemi, Paraná e Prata, assim a expandir fronteiras ao oeste e levantar fortalezas para proteger o sul contra os espanhóis, ainda ressentidos pelas perdas territoriais com o fim do Tratado de Tordesilhas e não satisfeitos com o Tratado de Madri.
Ainda, o Morgado precisava entregar segura a outrora fazenda dos jesuítas aos arrematantes, conceder novas sesmarias e ratificar as concessões anteriores, com o livramento dos perigos indígenas, para isto contratado o bugreiro Francisco Manuel Fiúza.
A região experimentou o progresso com o fluxo de pessoas vindas principalmente de Sorocaba, Itu, Itapetininga e Porto Feliz, atraídas pela promessa de fundação de novos povoados e distribuições de terras nas cercanias e adiante da Serra Botucatu, como sentinelas avançadas e fortalezas, sendo Simão Barbosa Franco o encarregado das ações (Donato, 1985: 47-48).
Com essa visão militarista o Morgado determinou a construção da senda militar, em 1770/1771, a entrar pela Serra Botucatu até a barra do Pardo ou, mais adequado, ao Paranan-Itu, sob as ordens do capitão-mor de Sorocaba, José de Almeida Leite, para articulações com as bacias hidrográficas dos rios Tietê, Paranapanema, Paraná, Iguatemi e Prata, incentivando o povoamento do sertão e sua defesa das pensadas incursões espanholas.
O Almeida Leite prestou contas do compromisso ao Morgado, dando-o por realizado em 1772, sendo certa sua chegada à margem do Paranapanema.

3. As sesmarias ao longo dos caminhos
O 'Vale do Pardo' não foi apenas corredor de acesso entre a Serra Botucatu e o Rio Paranapanema. Documentos creditam-lhe grupos arranchados, desde que João Álvares de Araujo, por volta de 1730, rumou "para o sul, costeando a serra e posicionando-se além do Rio Pardo" (Donato, 1985: 44), à beira do caminho religioso/bandeirante e por onde haveria de passar, décadas depois, a senda militar.
João Pires de Almeida Taques, nos anos 1750, obteve sesmaria no Pardo "além do dito rio no novo caminho que se abriu para a Praça de Iguatemy, em tempos povoados por João Alvares de Araujo" (Repertório das Sesmarias, L. 19, fls. 121-v).
Aluisio de Almeida, confirma os aparentados João Pires, José de Almeida Leme, e Antonio Pires de Almeida Taques, sesmeiros no Pardo abaixo, e que Antonio [Pires] de Almeida Taques, em 1770, beneficiara-se de terras à margem esquerda do mesmo rio (Repertório das Sesmarias, L. 21, fls. 46).
Claudio de Madureira Calheiros, em 1771, requereu sesmaria, adiante daquela do sogro Vicente da Costa Taques Goes e Aranha, a acompanhar o Turvo, margem esquerda, à sua barra no Pardo (Repertório das Sesmarias, L. 21, fls. 70). Desta forma, as sesmarias à direita do Pardo "já estavam ocupadas por Vicente da Costa Taques (...), e por Francisco Paes de Mendonça e Jeronymo Paes de Proença, c. 1779" (Pupo e Ciaccia, 1985: 23), citado o caminho para o Iguatemy via Rio Grande [Paraná].
Acima destes situavam-se João Alvares, Antonio Machado e o Capitão [João] Pires [de Almeida Taques], e daí um vão até as terras sesmadas do citado Claudio Madureira Calheiros, do qual ciente Manoel Correa de Oliveira que, em 1780, pediu o chão entre aquelas sesmarias sobrando-lhe "as terras do espigão entre o Pardo e o Turvo, até a barra deste naquele." (Pupo e Ciaccia, 1985: 22-23). O Repertório das Sesmarias (L 21 fls. 100 e L 25 fls 96-v) ratifica os nomes daqueles relacionados sesmeiros à margem direita do Pardo, e confirmadas, também, as sesmarias concedidas do espigão à margem esquerda do Turvo, e, do outro lado deste, nenhuma sesmaria notada.
Mais para o 'Vale Paranapanema', pela antiga Peabiru, a Sesmaria das Antas, "em Lençóis, onde hoje está a povoação da Ilha Grande [Ipaussu] no município de Santa Cruz do Rio Pardo" (Silva Leme, 1905: 403, vol. VI), concedida a Luiz Pedroso de Barros, aos 09 de dezembro de 1725, repassada a José Monteiro de Barros, avô materno do sertanista tenente Urias Emygdio Nogueira de Barros (1790-1882), que a recebeu por herança, estimada extensão de três léguas de terras, a partir da barra do ribeirão da Antas no Paranapanema, em Ipaussu, até Chavantes, no distrito de Irapé - corruptela, por entendimento fonêmico, do tupi 'Tapi'irape - Caminho das Antas', com largura de uma légua, aumentada até o morro divisor onde as nascentes do ribeirão inicial dessas dimensões.
Das fazendas e sesmarias adiante de Botucatu atestam-nas a 'Carta Provincial do Governo de São Paulo, de 12 de fevereiro de 1771', obrigando os moradores na região do Pardo prestar ajuda, em tudo que deles necessitasse, o capitão Almeida Leme, na abertura da vereda militar, concluída em 1772.
Dos restos de sesmarias, no começo do século XX, residentes sorocabanos descendentes dos Pires anunciavam a venda de 4.000 alqueires de terra em Santa Cruz do Rio Pardo (Aluisio de Almeida, 1959: 255), sem precisar exatamente o local.
Os sesmeiros, do século XVIII, pouco ou nada conheciam dos acidentes geográficos que melhor pudessem identificar suas terras; e os pioneiros vindos posteriormente, em meados dos anos 1800, melhor dimensionavam suas posses para registros, quase sempre mudando ou dando novos nomes lugares apossados, exatamente para não serem questionados.


4. A falência dos empreendimentos 
Martim Lopes Lobo de Saldanha assumiu o governo paulista como 'capitão-general', entre os anos 1775/1782, e optou pelo abandono de tudo quanto planejara ou realizara o Morgado, seu antecessor, em Botucatu e adiante da serra. Com o desamparo as sesmarias não progrediram, as fazendas fracassaram e os arranchados, isolados e à mercê da crescente e ameaçadora presença indígena, retiraram-se.
Os índios expulsos por Fiúza, em 1770, retornaram mais ou menos dez anos depois, com seus descendentes e acrescidos de outros grupos e restos tribais, para formar numerosa e preocupante população adversa ao progresso.
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